sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Nega!
seu pai veio me falar,
ele me considera
um rapaz para contigo casar

Mas, Nega!
eu não caio nessa não,
sei que tu andas falada
e que não é difamação

O velho anda preoucupado,
disse que tu já está na idade,
que não agüenta mais ouvir
a falação dessa cidade

Ele não sai da minha aba,
falou que a situação está "fóda",
que se eu casar com você
serão duas mãos e uma roda

Velho!
é preciso muita cautela e deixo logo avisado,
tenho muita maturidade
e sei que esse fardo é pesado

Pode ser
que Nega esteja na idade,
mas para casar com ela
só com adicional periculosidade.

(Airton de Barros)

Cotidiano

Cinco e meia da manhã. E lá estava dona Jupira, uma velhinha baixinha, gordinha e com um semblante amistoso, igualzinhas aquelas que temos vontade de abraçar quando encontramos na rua. Moradora solitária de uma casinha miúda, para a qual se mudou após a morte de seu velho. Fazia uma manhã nebulosa e, mesmo assim, podia-se escutar o alvoroço das maritacas na mangueira do quintal.
Após colocar uma caneca d'água para ferver e preparar o café, líquido precioso e sagrado, crucial para o seu despertar, a velhinha fôra até os fundos da casa, pegara a vassoura e a lata de lixo que se encontravam encostadas do lado de fora da porta da cozinha e fôra varrer as folhas que o vento trouxera durante a noite e que se acumulavam frente à sua casa.
Enquanto varria, observava um grupo de pessoas passando no fim da rua e, por estarem todas trajando camisetas brancas, o máximo que identificava, posto que suas vistas não estavam mais a seu favor, dona Jupira deduziu serem estudantes. Também vira um cachorro, magro e cheio de sarnas, fuçando em uma lixeira, lembrou-se imediatamente de Bolinha, não por ser uma cachorro sarnento, mas por ser um cachorro, porque jamais teria permitido que seu amigo e protetor tivesse chegado àquela situação - Deixou escapar um suspiro de saudade.
Quase terminada a terefa, lembrou-se da água que estava no fogo e, apavorando-se, temendo já ter secado, largou a vassoura no chão e correu para dentro, deixando portão e portas abertos.
Tendo visto que sobrara o suficiente para fazer o seu precioso, acalmou-se e desligou o fogão. Enquanto preparava o café, dona Jupira escutou um barulho vindo da sala, mas não deu muita importância e continuou. Quando jamais imaginava foi surpreendida por um homen armado que teria uma única intenção com uma velhinha: assaltá-la.
Levando-a até a sala, o bandido amarrou-a em uma poltrona com a extensão do ferro de passar roupas, que se encontrava ao lado. Deixando-a lá, adentrou a casa, derrubou gavetas, bateu portas, fez o "regaço".
Dona Jupira, um pouco atordoada, porém tranqüila, escutava a bagunça que o estranho fazia. Após um tempo ele retornou, trzendo consigo algumas jóias antigas de pouco valor e, já satisfeito com o que consiguira, desamarrou a senhora e saiu correndo.
Naquele momento, ainda sentada, Jupira procurou ser compreensível, tentando imaginar o que o levou a fazer aquilo. Na idade em que estava, não se peocupava mais com jóias iguais às que ele havia levado, talvez ele até as estivesse necessitando, pensou. Sorriu. Sentiu-se feliz ao descobrir que seu espírito humanístico ainda estava aflorado.
Ao se levantar da poltrona, dona Jupira foi andando devagar, se certificando da bagunça que ele havia feito. Foi até o quarto e viu as gavetas empilhadas em meio às roupas, documentos e sapatos. Em seguida, caminhou até a cozinha e, chegando lá, sentiu o sangue lhe subir à cabeça, explodindo-se em nervos, gritou, amaldiçoando-o e chingando-o de coisas que jamais dissera na vida, quando viu que o bandido havia tomado o seu café.
(Airton de Barros)

Pedra, tesoura e papel

A minha habilidade em dobrar Rosas,
fazendo-as de papel,
esconde a pedra em meu peito
esculpido por cinzel

Obra de artistas efêmeras
que preferíram partir,
cortando os laços de uma comunhão
e espalhando as tesouras no chão

Portanto, entenda!
Não vem de mim todo esse fel,
é só arte-final de épocas
de pedra, tesoura e papel.


(Airton de Barros)

Oferenda

A pena que valsa no ar
vai caindo constante e serena
envolta da bela morena
que levanta poeira ao dançar

A poeira que leva a pena
vai tingindo o céu tom de mar
denunciando a festa terrena
junta ao som do batuque a etalar

O batuque que estala na arena
vai vagando entre o bando
em um galope singelo espalhando
o desejo em todos de cantar

E o coral híbrido de vozes
faz a garça no galho voar
que deixa como oferenda
a pena que valsa no ar.


( Airton de Barros )